quarta-feira, 14 de setembro de 2016

Primeiro dia de aulas! Borboletas na barriga...



"Hoje tenho medo.

Vou fazer como os mais crescidos fazem: vou estar numa escola que é tão boa que até se aprende a ler como gente grande. Não sei se sou o único a ter medo. Não imagino se sou a único a sentir alguma coisa estranha dentro da barriga, no outro dia ouvi alguém dizer que eram borboletas na barriga. Uma sensação de borboletas na barriga: que bonita é a cabeça das pessoas quando inventam frases assim!


Hoje tenho medo.

Já vêm aí a minha mãe e o meu pai. Eles também têm medo, que eu bem sei. Fazem de conta que não sofrem nada, que não lhes custa nada. Eles também têm medo, que eu sei. Eles também sabem que este não é um dia qualquer. É o dia em que vou começar a ser grande e é o dia mais importante da minha vida. Pelo menos da minha vida até hoje, que eu tenho a certeza de que vou ter muitos dias assim, cheios de medo e de, isso mesmo, borboletas na barriga. Todos os dias são os dias mais importantes da minha vida.


Hoje tenho medo.

Aqui vamos nós. Já entrei no carro e já falta pouco para começar a ser grande. Levo uma mochila bem giraça, escolhi-a ontem no supermercado aqui do bairro. Tem um desenho do Homem-Aranha só para eu sentir que também vou ser super-herói. Estar vivo é ser herói, já o percebi há muito.


Hoje tenho medo.

O carro já parou, há um silêncio esquisito no ar. Parece que vou ter de ser eu a mostrar-lhes que estou bem apesar de estar com medo. Digo à minha mãe que a adoro (e adoro mesmo) e ao meu pai que é o melhor do mundo (e é, não conheço o mundo todo mas a minha família é que é o mundo todo, fiquem já todos a saber). Armo-me em forte e digo que não quero que eles venham lá dentro comigo. Se é para ser grande vou ser grande desde já.


Hoje tenho medo.

Os meus pais estavam a chorar mas eu fiz de conta que não vi. Eu também estou a chorar mas por fora faço de conta que não choro. A escola é grande e há por aqui meninos grandes, claro. Uma senhora que nunca vi mas que quase aposto que vai ser uma das minhas melhores amigas diz-me onde fica a minha sala. A mochila pesa tanto nos meus ombros, a vida pesa tanto nos meus ombros. Na verdade não queria ser já grande. Será que me dão mais uns minutos para ser criança?


Hoje tenho medo.

Entrei na sala e vejo que estamos todos armados em grandes e estamos todos cheios de medo. Sentei-me ao lado de um menino que se chama Carlos e está a tremer que nem varas verdes, como diz o meu pai. Eu continuo a fazer-me de forte mas já começa a ser difícil aguentar. A professora entrou e sorriu. Juro que quando a vi sorrir me senti pequeno outra vez. Quando gostamos de alguém ficamos logo prontos a ser pequenos outra vez, não é?


Hoje tenho medo.

Está tudo bem. A professora contou uma história que fez rir a turma toda e eu percebi que está tudo bem: vou poder continuar a ser criança, afinal. Vamos todos poder continuar a ser crianças. Só vamos poder brincar melhor. Quanto mais se sabe mais se pode brincar, acabou de explicar a professora Filipa (já tinha dito que é esse o nome dela?). Em poucos minutos já estamos todos a falar e a perceber que a escola no final das contas não assusta nada. Ou melhor: assusta como assusta tudo aquilo que é bom. Se não assusta não presta para nada, acho que foi a minha avó que um dia me disse isto. Obrigado, avó. Os mais velhos às vezes são chatos mas sabem sempre muitas coisas.


Hoje tenho medo.

Vou começar a ser grande e mesmo assim vou continuar a ser pequeno. É para isso que serve a escola: para começarmos a ser grandes e mesmo assim continuarmos a ser pequenos.


Hoje estou feliz."

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Manual de Português, para o 1º Ano, "A Turma do Pedro", Livro Direto.


1 comentário:

  1. Esta nossa escola que é de todos alunos,filhos, pais,professores,funcionários quero ter a certeza que esse medo vai passar. ..certamente no segundo dia já nem me lembrarei das borboletas na barriga e só da minha e maravilhosa escola
    ..aqui sou mt Feliz!

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